sexta-feira, janeiro 25, 2008
Convite
Abraços.
quinta-feira, janeiro 24, 2008
Amor
Nunca havia tido uma companheira fixa. Tinha ocasionais namoradas. Mas nunca permanecia com elas muito tempo. Elas duravam o mínimo para serem lembradas e o máximo até o chamarem de “meu amor”. Quando demonstravam sentimentos, eram inevitavelmente “dispensadas”, por assim dizer. E ia vivendo de loira em morena, de ruiva em mulata.
Aos sessenta anos, sentiu a primeira pontada da solidão. E doeu. Traduziu-se em uma primeira noite insone, com pesadelos. Ele nunca antes teve problemas para dormir. Mas, daquela noite em diante, os teria.
Ao sentar-se diante da máquina de escrever, o inimaginável. As idéias não vieram. Por quê? Começava a se apavorar. O que estaria acontecendo com ele?
Já não era mais um garoto. As necessidades do amor se tornaram fortes. Não era mais de sexo que precisava. Queria carinho, conforto, atenção e afeto. Queria uma companheira. Precisava de uma. E estava perdido. Havia passado mais de 30 anos dispensando todo o tipo de mulher.
Para ele, casar era desnecessário. Só que agora sentia o porquê de se casar. Não possuía ninguém com quem conversar à noite. Não compartilhava suas experiências. Adoecia e não tinha quem cuidasse dele. Não havia filhos. Estava abandonado no mundo.
Então ele saiu de casa com a resolução de vasculhar a cidade em busca do amor.
Foi em incontáveis lugares. Virou a cidade de cabeça pra baixo. Em cada rua, cada viela, ele procurou. Sentiu-se cansado e desesperado. E se tivesse, sem saber, mandado o amor embora? Ele iria querer voltar?
Sentou-se num banco de praça, colocou a cabeça entre as mãos e chorou. Sua vida seria um inferno constante. Pagaria o carma dos corações que partiu a vida inteira. E morreria sozinho.
Assim seria, se não fosse por um pequeno detalhe. A mulher que se sentou ao lado dele no banco da praça. Quando ele sentiu seu perfume, ergueu a cabeça e a encarou. Tinha longos cabelos negros e uma beleza balzaquiana de balançar a mais sólida das rochas. Ela o olhou de volta, admirada de seus olhos vermelhos e do rosto molhado. A isso se seguiu um breve diálogo.
“Você é o amor”? – Ele perguntou
“Posso ser” – Ela respondeu.
quarta-feira, janeiro 23, 2008
Libertação
Um mês fora do convento não era suficiente para que Maria já pudesse se afirmar plenamente como mulher. A rígida criação na Casa de Deus, desde a infância, havia quase que aniquilado por completo este lado dela, recém-descoberto, devido a fugas para dançar na boate da cidade. A Madre Superiora havia sido inflexível e a expulsado como quem expurga uma erva daninha. Mas Maria era casta e se havia cometido algum pecado era ter aprendido o moonwalk com seus novos amigos do Club.
Quando a órfã estava na rua, sem eira nem beira, e procurava uma ocupação, ironicamente acabou contratada pelo Club. A vida de garçonete era simples, mas dava para as coisas de que ela necessitava. Uma ex-noviça não tinha muitos luxos. E estava sempre liberada para dançar depois das duas da manhã.
Sua única paixão parecia ser a dança mesmo. Homens não lhe despertavam muitos sentimentos. Apesar disso, depois de folhear alguns livros em bibliotecas públicas diversas, teve a impressão de que a libertação de sua castidade estava em um conto erótico. Sim! Escreveria um conto erótico. E aí tudo ficaria mais fácil. Poderia então se apaixonar e, com um pouco de sorte, desfrutar dos proibidos prazeres da carne.
A máquina de escrever emprestada, com a folha de papel pronta para receber idéias, não lhe estimulava a muita coisa. Nada vinha à mente. Sofreu e sofreu por longas manhãs, o único tempo de que dispunha. Olhava e olhava a brancura do papel. Era como sua vida, sem nada. Ou pelo menos assim ela sentia.
Resolveu, então, conversar com os amigos do Club sobre o assunto. Logo recebeu todo tipo de conselho. O que considerou mais adequado foi: contrate um professor. E assim o fez.
O homem era grisalho, aparência distinta, magro como poucos de sua idade e com muita paciência e descrição. O ideal para o serviço. E Maria logo simpatizou com ele.
A primeira pergunta que o experiente homem fez à sua aluna foi: “como você pode querer escrever sobre o que não sabe”? Então, a aluna indagou: “o que devo fazer”? A resposta: “você tem duas escolhas. Ou escolhe outro tema para escrever, como a dança, por exemplo, ou conhece melhor o tema de que quer tratar”.
Tornou-se uma escritora conceituada. Lançou vários livros, um após o outro. A princípio, não foi fácil sustentar a escolha feita, mas esta acabou sendo a mais acertada.
Teve um excelente professor nas artes do amor.
terça-feira, janeiro 22, 2008
Fofurinha
Ele ia vir. Finalmente. Depois de muita luta. Muito sangue, suor e lágrimas. Ele ia vir. Ia estar aqui. Pertinho. E ela delirou.
Se arrumou especialmente para ele. Com todo o cuidado e carinho. Passou creme nas mãos, colocou uma roupa nova, na cor que ele gostava, e se perfumou. Não sabia se ele ia notar, mas não se importava. Ele ia vir. Finalmente.
Chegou cedo no local e bem mais cedo que o marcado. Queria um bom lugar. Iria vê-lo afinal. Depois de tanto tempo. Passou batom e ajeitou o cabelo. Estava ansiosa. As mãos suavam.
Entrou e procurou um lugar para se ajeitar. Sentou. Olhou as pessoas ao redor. Estava num local privilegiado. Procurou na bolsa a agenda. Checou as horas no celular. O grande momento estava chegando.
Que tédio
De repente, depois de muita espera, ele! Sim! Lá estava ele! Estava lindo! Uma fofurinha. Os mesmos olhos verdes, cabelos loiros e irreverência de sempre. Uma voz firme e inconfundível.
Imediatamente ela ergueu o cartaz escrito “Te amo, Sting” e deu dois berros de ensurdecer qualquer cristão. A multidão foi à loucura. Ele abriu o show com um grande sucesso. E ela pulou como nunca, dançou, chorou e cantou as músicas preferidas. Ficou rouca de tanta emoção. Os pés iriam doer nos próximos dois dias. Mas aqueles momentos foram únicos em sua curta vida de adolescente.
Ao final do show, tirou a sorte grande e pegou uma camisa que ele jogou. Teve de ter pulso firme para não a ter arrancada da mão. Saiu correndo, com 200 grupies em seu encalço. Mas, sobreviveu.
E passou o resto da vida delirando.
Clean
Era uma dona de casa extremamente asséptica. A limpeza era seu valor primordial. Havia sido educada pela mãe a não sair para lugar nenhum se houvesse um copo sujo sequer na pia. Tudo tinha de estar limpo e organizado. Meticulosamente.
domingo, janeiro 20, 2008
Doida
Desconfiava, mas não tinha certeza.
Os indícios eram muitos.
1. Tomava medicamentos controlados, de tarja preta.
2. Tinha pensamentos cheios de delírios, todos envolvendo situações impossíveis.
3. Ouvia vozes.
4. Falava com as paredes. Mas apenas porque as paredes falavam com ela.
Mas não foi assim que teve certeza da loucura.
Num belo dia de Domingo, cheio de sol, às 09:45, ela acordou. Estava com dor de cabeça. E muito irritada. Foi até a cozinha e lhe deram o remédio e o café de sempre. Ela tomou. Mas não se sentiu melhor.
Pegou a faca na bandeja para cortar a maçã. E aí veio o desafeto de sempre até a sua mesa.
"E aí, hein? Tá doidona? Tá doidona? Hahahahahahahaha...."
Todo dia aquele pedaço de merda em forma de gente lhe enchia a porra do saco. Sempre fazendo a mesma pergunta. E ela ficava p. da vida, mas não respondia.
Naquele dia, respondeu. Enfiou a faca até o cabo no seu fígado, de um só golpe. O homem morreu com o sorriso na cara. Nem teve tempo de confessar os pecados.
Os enfermeiros ficaram apavorados.
O terror de ver o merda caído, se esvaindo em sangue, se misturou em alegria ao constatar que nunca mais ouviria sua risada irônica. E aí, ela que gargalhou.
No Tribunal, alegaram insanidade.
E aí, ela teve certeza.