quarta-feira, janeiro 23, 2008

Libertação

Um mês fora do convento não era suficiente para que Maria já pudesse se afirmar plenamente como mulher. A rígida criação na Casa de Deus, desde a infância, havia quase que aniquilado por completo este lado dela, recém-descoberto, devido a fugas para dançar na boate da cidade. A Madre Superiora havia sido inflexível e a expulsado como quem expurga uma erva daninha. Mas Maria era casta e se havia cometido algum pecado era ter aprendido o moonwalk com seus novos amigos do Club.

Quando a órfã estava na rua, sem eira nem beira, e procurava uma ocupação, ironicamente acabou contratada pelo Club. A vida de garçonete era simples, mas dava para as coisas de que ela necessitava. Uma ex-noviça não tinha muitos luxos. E estava sempre liberada para dançar depois das duas da manhã.

Sua única paixão parecia ser a dança mesmo. Homens não lhe despertavam muitos sentimentos. Apesar disso, depois de folhear alguns livros em bibliotecas públicas diversas, teve a impressão de que a libertação de sua castidade estava em um conto erótico. Sim! Escreveria um conto erótico. E aí tudo ficaria mais fácil. Poderia então se apaixonar e, com um pouco de sorte, desfrutar dos proibidos prazeres da carne.

A máquina de escrever emprestada, com a folha de papel pronta para receber idéias, não lhe estimulava a muita coisa. Nada vinha à mente. Sofreu e sofreu por longas manhãs, o único tempo de que dispunha. Olhava e olhava a brancura do papel. Era como sua vida, sem nada. Ou pelo menos assim ela sentia.

Resolveu, então, conversar com os amigos do Club sobre o assunto. Logo recebeu todo tipo de conselho. O que considerou mais adequado foi: contrate um professor. E assim o fez.

O homem era grisalho, aparência distinta, magro como poucos de sua idade e com muita paciência e descrição. O ideal para o serviço. E Maria logo simpatizou com ele.

A primeira pergunta que o experiente homem fez à sua aluna foi: “como você pode querer escrever sobre o que não sabe”? Então, a aluna indagou: “o que devo fazer”? A resposta: “você tem duas escolhas. Ou escolhe outro tema para escrever, como a dança, por exemplo, ou conhece melhor o tema de que quer tratar”.

A aluna, então, fez sua escolha.

Tornou-se uma escritora conceituada. Lançou vários livros, um após o outro. A princípio, não foi fácil sustentar a escolha feita, mas esta acabou sendo a mais acertada.

Teve um excelente professor nas artes do amor.

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