sábado, janeiro 19, 2008

Ciclo


Se deitou na cama e soltou uma baforada... aquele era um vício maldito. Não conseguia se desvencilhar dele... só assim relaxava e gozava o momento plenamente.

Olhou para a cinta-liga preta da perna esquerda e percebeu que estava desfiando. Estava ficando velha para as artes do amor. Mas os homens, incansáveis, não paravam de procurá-la. Sempre tinham algo para convencê-la de que ainda era jovem, que o coração ainda pulsava, que tudo ainda estava no lugar. Doce ilusão... amargo despertar.

Ela se sentia um fantasma de outrora. Deitada na cama, ao lado do cliente adormecido da vez, lembrava-se de quando era apenas uma menina, os seios fartos e empinados, as ancas de uma potranca, carnudas e macias, e as coxas roliças, que despertavam o furor do mais casto dos homens. Em sua cidade natal, até mesmo os padres olhavam descaradamente para suas as coxas durante as homilias de Domingo. Foi o pecado em forma de gente desde a hora em que nasceu.

E agora, em frente ao espelho, não se reconhecia. Os seios ainda eram fartos, mas a gravidade é inclemente com todos. As coxas e as ancas já não eram as mesmas. Mas, ainda assim, muitos a procuravam. E ela havia recebido propostas de todo o tipo ao longo da vida: de casamento, de concubinato, de amante, de ser a terceira pessoa de uma relação e até mesmo dinheiro, muito dinheiro, que havia sido oferta de um certo árabe. Mas tudo ela recusou, educadamente.

Ela era puta porque queria. Não havia nada mais nesta vida reservado para ela. Assim ela queria e julgava. Se castigava e penitenciava a cada cliente. Havia cometido um único erro na juventude e por ele iria pagar por toda a existência.

Fechou os olhos e reviu, pela milésima vez, a cena do desencadear de sua tragédia. Daquele momento em diante jamais seria a mesma pessoa.

Lembrou-se como era jovem, apenas 18 anos, e de sair correndo do Hospital Municipal como podia. Com o embrulho pequenino nas mãos, estava decidida a fugir. Ainda sentia as dores de um parto normal e caminhava com velocidade, mas muita dor e dificuldade. Teria morrido, se não tivesse decidido se sentar no passeio, próximo a uma casa.

Chorou como nunca havia chorado. Como pôde ser tão idiota? Porque havia acreditado nele? Porque havia deixado que ele... estragasse sua vida para sempre?

E o bebê? O que fazer com o bebê? Estava na rua, havia sido expulsa de casa sem nenhuma chance de clemência, nunca mais veria o pai nem a mãe. Como criar um bebê? Ela mesma acabava de deixar a infância.

Ao olhar para trás viu a casa mais bonita do mundo. Enorme, com um jardim florido de girassóis na porta, de cor azul, um azul tão azul que os moradores deviam achar que estavam no céu.

Não pensou porque, se tivesse pensado, não teria feito. Colocou o embrulho pequenino na porta da casa, bateu campainha e se escondeu atrás de um arbusto repolhudo no outro lado da rua.

Uma mulher loira, que parecia um anjo, abriu a porta, olhou para baixo e pegou o pequeno embrulho recém-nascido, espantada.

E agora, que ela tinha quase 60 anos e que as cinzas do cigarro em sua mão a despertavam do longo devaneio, ela tomava a resolução que iria colocar sua vida de ponta-cabeça novamente: não iria morrer antes de rever seu filho.

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